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Pequena
Enciclopédia de Doutrina Social da Igreja |
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A
DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
Proponho-me, nesta comunicação,
percorrer "à vol d’oseau"
e evolução do pensamento social
da Igreja de Leão XIII a João
Paulo II, apenas para poder elencar os grandes
princípios que, graças à
tradição social da Igreja, à
experiência histórica da Igreja
"perita em humanidade" (Paulo VI),
foram constituindo as bases de uma convivência
humana digna. Dispenso-me de remeter cada princípio
às fontes oficiais, para não onerar
o texto de citações que procurei
explicitar no trabalho "Pequena enciclopédia
de doutrina social da Igreja". A referência
a esses grandes princípios permitirá
ver com clareza a originalidade específica
da Doutrina Social da Igreja.
I - A EVOLUÇÃO DA DOUTRINA
SOCIAL DA IGREJA
A "Rerum Novarum", encíclica
"sobre a condição dos operários"
defendeu o dever do Estado em garantir os direitos
dos operários, entre os quais sublinha
a importância do seu direito de criar
sindicatos para reivindicar a realização
de seus legítimos interesses.
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Leão
XIII não só rejeita o socialismo
e responsabiliza o capitalismo pela questão
social, mas propõe uma verdadeira política
social que inspirou toda política social
e trabalhista contemporânea.
Pio XI comemorando os 40 anos da "Rerum
Novarum", promulga sua encíclica,
"Quadragésimo Ano", no dia
15 de maio de 1931. É a segunda grande
encíclica social, que procura resgatar
o legado de Leão XIII no novo contexto
histórico que se afigurava ameaçador.
Decepcionado com as democracias liberais, Pio
XI estava convicto que o destino da humanidade
seria decidido no confronto dos grandes blocos
totalitários emergentes: o nazi-facismo,
de um lado e o comunismo marxista de outro. |
Teve a audácia não só de
condenar estes sistemas (v. encíclicas:
"Non abbiamo bisogno", 1931; "Mit
brennender Sorge", 1937, "Divini Redemptoris",
1937), mas também de propor um sistema
alternativo, o corporativismo cristão
fundado na preocupação de preservar
a dignidade inalienável da pessoa humana
esmagada pelos regimes tota1itários e
a primazia do bem comum sobre os interesses
tanto corporativos como classistas. A tragédia
da Segunda Guerra Mundial não permitiu
que a proposta de Pio XI tivesse a merecida
ressonância. |
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Sabe-se
que o Pio XII desejava comemorar com uma encíclica
o 50º aniversário da "Rerum
Novarum" em 1941. O mundo porém,
vivia os horrores da guerra. Não havia
ambiente para uma celebração festiva.
O Papa dedicou entretanto sua radiomensagem
de 1º de junho daquele ano para comemorar
o cinqüentenário da encíclica
de Leão XIII, focalizando o tema do destino
universal dos bens: inspirado nele, focaliza
os grandes princípios da doutrina social
da Igreja que deverão mobilizar os católicos
no esforço de reconstrução
de uma nova ordem social a ser empreendida depois
da tormenta da guerra. |
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Em
1961, João XXIII publica também
no dia 15 de maio, sua encíclica social
"Mater et magistra" em homenagem ao
70º aniversário da "Rerum novarum".
É a mais longa encíclica social
e nela, o Papa examina as novas dimensões
que assumira a questão social desde Leão
XIII. Considerando os sinais dos tempos, intui
que a questão social não reduzia
só a disputa das classes pela apropriação
dos meios de produção, mas assumira
já dimensões planetárias:
era a disputa dos recursos do planeta entre
os povos desenvolvidos e a imensa multidão
dos que viviam ou sobreviviam nas condições
de subdesenvolvimento. Detecta os caminhos de
um crescente processo de socialização
destinado a permitir ao maior número,
inclusive aos homens do campo, o acesso a níveis
de vida compatíveis com sua dignidade
de filhos de Deus.
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João
XXIII abria caminho para a mensagem social de
Paulo VI que em sua encíclica, "Populorum
progressio", de 26 de março de 1967,
incorpora definitivamente a temática
do desenvolvimento na reflexão social
da Igreja.
Paulo VI via com angústia a distância
crescente entre os povos desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Era impossível consolidar a paz, o grande
anseio da humanidade, tema da última
encíclica, "Pacem in terris",
de João XXIII, no contexto de um mundo
dividido por imensas desigualdades: "O
desenvolvimento é o novo nome da paz".
O Papa entretanto não reduzia o desenvolvimento
ao mero crescimento econômico. Ele sabia
da impostura dos grandes sistemas, capitalismo
e comunismo, que propunham como solução
de todos os problemas a satisfação
indefinida de um desejo insaciável de
consumo.
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Para
ele, o mais importante não é ter
mais; o ter mais só se justifica na medida
em que permite ser mais. Sua mensagem é
o desenvolvimento integral do homem todo e de
todos os homens. Daí o seu apelo à
solidariedade internacional. Renova seu apelo
em Carta Apostólica ao Cardeal Secretário
de Estado, em 1971, a "Octogésima
adveniens", comemorando o 80º aniversário
da "Rerum novarum", na qual deixa
claro que a Igreja renuncia a qualquer pretensão
de propor um sistema alternativo. É missão
dos leigos comprometidos na política
construir os modelos adequados às diversidades
nacionais. |
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João
Paulo II pretendia celebrar o 90º aniversário
da mesma encíclica, no dia 15 de maio
de 1981. O atentado de que foi vítima
a 13 de maio adiou a publicação
de sua encíclica. Ele já redigira
entretanto um discurso aos operários,
que o cardeal Agostino Casaroli, Secretário
de Estado, leu na Praça São Pedro
no mesmo dia, 15 de maio. A encíclica
"Laborem exercens" aparece a 14 de
setembro do mesmo ano. Nela, João Paulo
II inova profundamente a abordagem do problema
social, quando diz: "o trabalho é
uma chave e provavelmente a chave essencial
de toda a questão social" ("Laborem
Exercens", nº 3). |
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Na
realidade, ate então, toda a questão
social era centrada no problema da propriedade.
João Paulo II não hesita em afirmar
que "a propriedade dos meios de produção
- tanto a propriedade privada como a pública
ou coletiva – só é legítima
na medida em que serve ao trabalho" ("Laborem
Exercens", nº 14). Na sua segunda
encíclica social, "Sollicitudo Rei
Socialis", de 30 de dezembro de 1987, o
Papa comemora o 20º aniversário
da "Populorum Progressio" em que voltava
a insistir na tese de que só a solidariedade
internacional pode promover o desenvolvimento
integral.
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A
"Centesimus Annus" promulgada a 1º
de maio, na festa de são José
Operário, propõe-se fazer uma
"releitura" (nº 3), da primeira
encíclica social: a "Rerum Novarum",
de Leão XIII, cujo Centenário
a Igreja já está comemorando no
mundo inteiro.
Essa releitura nos convida a um tríplice
olhar; "olhar para traz", para o contexto
do fim do século passado em que emerge
a "Rerum Novarum" e para os princípios
fundamentais que ela formulou: "olhar ao
redor" para as novas "coisas novas"
deste nosso fim de século: "olhar
ao futuro", para o advento do terceiro
milênio "carregado de incógnitas
e de promessas" (nº 3). |
II
- OS GRANDES PRINCÍPIOS
1 - A dignidade inalienável da pessoa
humana, à luz da fé: criada por
Deus, remida por Cristo, santificada e vocacionada
pelo Espírito Santo. Dignidade que exclui
qualquer discriminação racial,
social, econômica, religiosa ou cultural.
"O homem é o caminho da Igreja",
é a síntese mais densa do compromisso
da Igreja com o homem, tema que encerra a encíclica
"Centesimus Annus". É o princípio
que marca a distância entre a Doutrina
Social da Igreja e todos os sistemas e ideologias
de inspiração totalitária
de direita ou de esquerda, para as quais a pessoa
só recebe sentido do coletivo social
do qual ela é apenas uma parte descartável.
2 - A primazia do bem comum. O princípio
se bifurca em dois planos: o nacional e o mundial.
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O
bem comum nacional é a responsabilidade
e a própria razão de ser o Estado
que pode tudo aquilo e só aquilo que
promove o bem comum, ou seja, o bem de todos,
sem discriminações.
Ele
é precisamente o conjunto das condições
concretas que permitam a todos atingir níveis
de vida compatíveis com sua dignidade.
A primazia do bem comum e a consagração
da democracia como único regime político
que preserva a dignidade da pessoa humana. |
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O
bem comum em sua dimensão mundial é
o bem da comunidade das nações
("Centesimus Annus" nº 52) confiado
a uma autoridade supranacional e cujos sujeitos
são precisamente os diversos países
do mundo. Sua concretização e
as condições de sua eficácia
são ainda apenas esboçadas, nas
grandes organizações supranacionais,
sob a tutela da ONU, mas parece constituir o
desfecho de uma evolução milenar,
inscrita na própria natureza social do
homem. O bem comum universal será o grande
desafio do próximo milênio, para
recuperar a implosão do 2º mundo
e a marginalização do 3º
mundo - ("Centesimus Annus"). |
3-
A primazia da destinação universal
dos bens sobre a apropriação individual.
Os bens criados se destinam a todos os homens.
A apropriação individual, o chamado
direito de propriedade, é uma forma eficaz
de realizar melhor esta destinação.
A propriedade, situada assim à luz deste
princípio, é entendida como responsabilidade
social e não como privilégio excludente:
"Sobre toda a propriedade privada pesa
uma hipoteca social" - ("Laborem Exercens").
4 - A primazia do trabalho sobre o capital.
O capital como forma de apropriação
coletiva, pública ou privada, "só
é legítimo na medida era que serve
ao trabalho" (L.E.). O capital é
o fruto do trabalho e a ele se destina. É
o princípio que marca a incompatibilidade
da Doutrina Social da Igreja com o capitalismo
liberal. É importante relembrar o caráter
fundamental desse princípio, num momento
histórico no qual, com a implosão
do socialismo real, um neoliberalismo, já
denunciado por João Paulo II, na "Centesimus
Annus", se apresenta com a pretensão
de ser a única opção, para
uma humanidade sem alternativas. |
5-
O princípio da subsidiariedade. Segundo
ele, as instâncias superiores de poder
não se devem atribuir o desempenho daquilo
que as instâncias inferiores podem melhor
realizar. O dever das instâncias superiores
é um dever supletivo, de coordenação
e promoção da iniciativa e da
criatividade das instâncias inferiores.
É este princípio a fonte da vitalidade
de um número imenso de instituições,
movimentos e iniciativas que são a expressão
da maturidade democrática liberta do
paternalismo estatal. É também
o princípio que oferece os critérios
para discernir, na variedade das conjunturas,
a solução de problemas tais como
centralização e descentralização,
naciona1ização e privatização. |
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6 - O princípio da solidariedade.
É o princípio segundo o qual cada
um cresce em valor e dignidade na medida em
que investe suas capacidades e seu dinamismo
na promoção do outro. O princípio
vale analogicamente para todas as relações
concretas: entre o homem e a mulher, os pais
e os filhos, os grupos sociais, os níveis
e setores de poder, o capital e o trabalho,
o mundo desenvolvido e subdesenvolvido.
Hoje se pode falar numa descoberta sempre mais
lúcida de uma relação de
solidariedade entre o homem e a natureza: o
homem mais se valoriza na medida em que preserva
e promove a natureza e esta, protegida e preservada,
garante melhor qualidade de vida para o homem.
III - A ORIGINALIDADE
Onde reside a originalidade de uma doutrina
fundada sobre esses seis pilares? Em dois aspectos
que considero essenciais.
Primeiro: Toda a história humana foi
a história de uma incansável busca
de liberdade e de justiça.
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O homem quis ser mais livre das contingências
naturais e das violências que o oprimiam.
Mas a humanidade fez a trágica experiência
de que a conquista da liberdade criou condições
para a imposição de uma imensa
iniqüidade social. Refiro-me as conseqüências
da revolução francesa, da revo1ução
industrial e à questão social
delas resultante.
A frustração gerada por essa questão
social alimentou uma ânsia de justiça
expressa em condições de igualdade,
que resultou numa imensa opressão da
liberdade, especialmente da liberdade religiosa.
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Refiro-me à revolução soviética,
ao comunismo internacional, cuja implosão
no leste europeu assistimos.
A ânsia da liberdade foi pretexto para
a injustiça; a busca da justiça
foi realizada pelo sacrifício da liberdade.
O primeiro aspecto da originalidade da Doutrina
Social da igreja é precisamente este:
ela defende o atendimento às radicais
exigências da justiça, precisamente
através do exercício responsável
da liberdade, ela defende a liberdade para atender
às exigências da justiça.
Entretanto,
o desejo de liberdade e de justiça não
é obviamente característica exclusiva
da Doutrina Social da Igreja. Muitas outras
doutrinas as promovem. Aqui vem assim o segundo
aspecto da originalidade da D.S.I.. Fora da
Igreja a busca da liberdade com justiça
passava pelo ódio. Só a Igreja
percebe com toda a clareza que a definitiva
conciliação entre as exigências
da liberdade e da justiça é uma
civilização do amor.
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João Paulo II em suas três encíclicas
sociais vem marcando a incompatibilidade da
Doutrina Social da Igreja tanto com o liberalismo
capitalista quanto com o coletivismo marxista.
O primeiro, exaltando a liberdade, leva a humanidade
a uma exacerbação do consumismo
hedonista.
O segundo sob a falsa pretensão de resgatar
a justiça é responsável
pela opressão dos direitos de uma autêntica
liberdade. Recupera assim a grande tradição
social da Igreja, inaugurada oficialmente por
Leão XIII, na encíclica "Rerum
Novarum", de 1891. |
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CONCLUSÃO
Essa doutrina, mesmo incompreendida por muitos,
dentro e fora da Igreja, vem se confirmando
como a grande mensagem capaz de abrir o caminho
para o novo milênio e para uma nova civilização.
Depois de tantas injustiças, tantos ódios,
tantos sofrimentos, tantas guerras, torna-se
cada vez mais claro que só o amor e a
solidariedade poderão conciliar os grandes
anseios da humanidade: atender as exigências
da justiça através do exercício
responsável da liberdade. Uma civi1ização
do amor e da solidariedade é a proposta
da Doutrina Social da Igreja de Leão
XIII e João Paulo II. A humanidade já
está madura para perceber que a proposta
é irrecusável. |
Padre
Fernando Bastos de Ávila, S.J. |
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Fones
51 3493.1882
Av. Liberdade - Santa Isabel - Viamão - RS -
Brasil |
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